ode to my family

mulheres

(por Féfe)

ODE TO MY FAMILY

Hoje é dia do amigo. Data comercial, eu sei. Apesar disso, admiro as homenagens que se espalham pelas redes sociais. Ao menos, é um dia dedicado a lembrar daqueles que nem sempre estão por perto mas fazem diferença em nossa vida. Sendo assim, escrevo para elas.

Tenho a alegria de dizer que fiz muitos amigos nos lugares pelos quais passei. Alguns ficaram no passado, uns poucos antigos ainda caminham comigo e novos cúmplices se juntaram a mim nos últimos anos. As homenageadas de hoje fazem parte de um grupo diverso formado por passado e presente. Em certos momentos, lembranças falam alto e os risos ficam por conta de quem está há mais tempo nesta história. Em outras horas, são os obstáculos de agora que vêm à tona e já não há distinção entre quem esteve na festa de formatura e quem compartilhou a primeira história num sarau da Lapa.

Antigamente, nossos encontros limitavam-se aos aniversários e confraternizações de fim de ano. Porém, de uns tempos pra cá, graças aos recursos tecnológicos, sabemos bem mais umas das outras, da preguiça diária à dor mais profunda. É como se toda noite eu ganhasse de presente um encontro com todas as minhas amigas. Elas representam a alegria e a tristeza cotidianas na dose necessária e real.

Cólica, enxaqueca, roupa nova, reality show, chefe chato, colega invejoso, viagem cara, almoço chique, dieta de sempre (peso nunca!). Cabe tudo na nossa roda. E por tanto partilhar, às vezes as muitas vidas parecem uma só e esquecemos as regras básicas, damos palpites, xingamos e gargalhamos umas das outras. Aí vem alguém e lembra que não pode ser assim. As outras dizem que pode sim e ponto. Parece família. É família. Só pode ser porque é todo dia, o tempo todo. Família é assim.

meu luc

luc

meu luc,

você nasceu há pouco mais de dois anos, e eu descobri quanto amor tinha guardado em mim. há muito tempo decidi que não quero ter filho, mas me lembro de quando falei para a sua mãe que voce também era um pouco meu filho, e ela se emocionou muito, mas você ainda estava na barriga dela, então desconfio que tenha sido os hormônios, porque sua mãe, cê sabe, né?! é aquele poço de humor grosseiro, que a gente nunca entende se é sério o esculacho ou é só para a gente rir.

seu carinho com a gente é tão lindo, meu amor, que me emociona, os áudios que sua mãe me envia em que ouço você contando suas grandes aventuras com o lobo mau, ou quando você chama seu avô babão para dormir na sua casa com a vozinha mais maravilhosa do universo me fazem chorar, eu rio e choro com você, e isso é amor transbordando.

sempre digo que não terei paciência para te aturar na adolescência, que viajarei nos seus 12 anos e só voltarei nos seus 19, mas a verdade é que quero que você seja um cara foda, legal, inteligente e um pouco doidinho, daqueles que eu era apaixonada na adolescência, e que todas as meninas legais se apaixonavam também. tomara também que você não puxe o gosto musical apenas da sua mãe, que você goste das músicas que eu gosto também, as mesmas que quase todos os jovens da família acham chatas, mas tenho esperança em você.

ah, conte comigo para fugir do ciúme da sua mãe. pode levar seus amores lá para casa.

por enquanto, quero seguir participando dos abraços coletivos que você promove, dos abracinhos individuais que você dá, de ouvir como você ama sua bisavó, suas avós, seus avôs… e sua dinda mit, que se derrete com tudo o que você faz. te amo, meu sobrinho, um amor que eu nem sabia que existia em mim. obrigada por isso.

tema da semana: coisas que nos irritam

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apesar de eu ser uma das pessoas mais irritadas que já se ouviu falar na face da terra, não consegui terminar meu texto esta semana por causa dos frilas (yay!), mas a boa notícia é que flávia custodio se juntou à trupe e hoje debuta em nossos exercícios de escrita.

estudei com flávia na pós-graduação em mercado editorial. tive a sorte de perceber logo que ela escreve muito bem, ao contrário de tantos colegas jornalistas, mas pena que ela mora em outro continente agora… então os textos são bons motivos para mantermos contato.



a lista

(por stella arbizu)

Me convidaram a fazer uma lista das coisas das quais eu não gosto, mas de forma divertida. Fazer listas é uma coisa que eu não gosto. Mas como me proponho a ser uma escritora profissional e toda vez que colocamos profissional junto a algum substantivo, temos que deslocar o adjetivo divertido para o fim-de-semana. Por isso, deixei essa lista para o último momento, para que eu ficasse desesperada e me lembrasse do que não gosto bastante pressionada mesmo, como quando trabalhava com metas e adoeci, para mencionar uma coisa da qual não gosto.

Eu gosto de dirigir. Mas não atrás de um caminhão de lixo. Inclusive, se o ar-condicionado estiver ligado, a sensação é de que eu comprei o “gleid chorume” e instalei no carro. Janelas abertas são a saída. E dar distância da solução de higiene urbana civilizada pós-moderna desenvolvimentista. Não sei como isso funciona na Alemanha. Tenho até um amigo que foi pra lá no início dos anos 90 para trabalhar com reciclagem. Tá rico. Mas, tenho certeza de que não é da forma que se faz aqui. Vou procurar saber.

Não gosto de ambientes muito arrumados. O caos me ressignifica. Eu penso que quando está tudo muito arrumado falta calor. Tem que ter um livro fora do lugar, um copo esquecido na ponta da mesa, as almofadas espalhadas no chão, como num convite para o conforto, marcas da presença humana. Tudo muito arrumado me lembra alguém que saiu de um SPA extremamente embotocado, sem conseguir mexer as sobrancelhas e a testa. Falta impacto. Por isso eu amo a Maria Callas: tudo nela é expressão, até as ondas dos cabelos.

Comida fria me irrita. Muito. Chego a levantar da mesa como um furacão, fazendo o barulho dele ao levar o telhado de uma casa, e abro com violência a porta do micro-ondas. Volto pra mesa gritando palavras de ordem do movimento “LAVAGEM NÃO!” Haveria muita majestade nisso, resquícios de vidas passadas, se não fosse eu a esquentar a comida no micro-ondas. Mas, a minha família ignora. E eu fico com cara de quem comeu e não gostou mesmo.

Muitas vezes, prisões afetivas se estabelecem sem que a gente perceba. Uma irmã chantagista, um pai cobrador, uma amiga excessivamente carente, um namorado mentiroso e, pronto: você está cativa e talvez não tenha se dado conta. Mas, como disse Rosa Luxemburgo, só quem se movimenta percebe as correntes. Essa é a função da Liberdade, a capacidade de nos fazer mover. E de perceber as moções da vida. Eu não gosto de prisões afetivas e quando as percebo, não gosto das pessoas que as construíram. Não tenho como escrever de forma divertida sobre isso, porque vejo o pior do ser humano nisso, coibir o movimento do outro, privar a liberdade, o prazer. Quando Rosa Luxemburgo fez sua citação, fazia referência à luta das mulheres por igualdade de direitos e quis que quando se percebesse as correntes, se lutasse para rompê-las.

Termino minha lista aqui com este grito escrito dizendo que sou uma pessoa livre que não gosta de se sentir presa e que não gosta de quem a prende. E que farei de tudo para libertar e fazer sorrir qualquer mulher que se encontre em alguma prisão afetiva, mesmo sabendo que esta é a mais difícil de se libertar.


1001

(por flávia custodio)

Resolvi admitir para mim mesma que sou uma pessoa ansiosa, – daquelas que vivem sempre o futuro antes do presente, e que adiantam problemas que nunca aparecem –, depois de anos de inquietação pela dúvida se eu sofria ou não de ansiedade. O veredicto veio na verdade há alguns anos, quando comecei a me interessar sobre livros com listas de 1001 coisas que você precisa fazer antes de morrer. A princípio senti um grande alívio de pensar que a minha vida inteira já estaria planejada e impressa com textos e fotos. Esses livros pareciam a materialização da minha ansiedade em forma de calhamaços bem editados e visualmente atrativos que me trouxeram ainda mais consciência da finitude da vida, característica típica dos ansiosos.

Acho que o pioneiro foi o 1000 lugares para conhecer antes de morrer, da Patrícia Schultz, um dos meus primeiros guias de viagem. Logo vieram os 1001 filmes para ver…, os 1001 livros para ler…, os 1001 vinhos para beber…, 1001 cervejas para beber e os 1001 álbuns para ouvir…. Passei horas, dias, meses folheando todos cuidadosamente na livraria, e cheguei a passar noites mal dormidas fazendo as contas do tempo e do dinheiro que eu precisaria ter para visitar todos os lugares, beber todas as cervejas e vinhos, escutar todos os discos e ler todos os 1001 livros. Senti inveja de quem escreveu e editou estas listas, afinal de contas, eles teriam menos 1001 coisas para fazer na lista deles. Já saiam em vantagem.

No meio dos cálculos, fiquei confusa se eu deveria perder tempo lendo sobre as mais de dez mil coisas que eu precisava fazer antes de morrer ou se de fato eu começava a faze-las. E o que fazer com os lançamentos de vinhos, cervejas, livros e filmes que não entravam na lista, mas que certamente entrariam em uma lista futura? A logística também não seria fácil. Como andar pelo deserto do Saara e provar aquele must drink French wine? Tive alguns mini-infartinhos só de pensar que se eu continuasse a perder esse tempo todo esmiuçando os detalhes da empreitada eu precisaria de ainda mais umas duas vidas para dar conta de tudo. Para preservar o meu miocárdio e em nome do autoconhecimento também resolvi nesta mesma época assumir para mim mesma que, mais que ansiosa, sou uma procrastinadora – daquelas que leem listas de mil e uma coisas para fazer antes de morrer – e não fazem absolutamente nada. Mas a taquicardia, toda a vez que ando em determinadas sessões da livraria, continua.

tema da semana: primos

primos

por stella abizu

damiana tinha primos. nove. todos em torno da sua faixa etária. porém, por incrível que pareça, todos homens. seis do lado paterno e três do materno. e ela era a única bonequinha dos avós.

durante a infância, não se comportou como tal. entrava na brincadeira dos moleques de sangue e voltava da rua sem saída onde morava a avó paterna tão encardida quanto eles. gostava muito de girar, girar de braços abertos, como um helicóptero e depois tentar andar só para cair no chão e sujar a bermudinha florida que a diferenciava dos peraltas. só isso a diferenciava, mas, a certa altura da tarde, as flores se escondiam na poeira da rua de paralelepípedos. talvez, as marias-chiquinhas da sua cabeça a diferenciassem também, mas ela passava como uma estrela anticadente no meio dos outros cometinhas, não dando tempo para os passantes notarem outra coisa além do brilho que explodia da felicidade daquelas crianças.

contudo, o tempo passa e trouxe para damiana anseios vindos do amadurecimento que seus primos ainda não sonhavam em ter. ela se afastou deles, grudando em suas amigas da escola, para juntas definirem que roupas usarem e qual creme passar no cabelo. e também saber que aquele menino que estava olhando para a mocinha já calipígia jamais ligaria para uma delas. e o grude delas foi forte durante os anos de escola, mas não resistiu às escolhas diversas do vestibular e elas se separaram. damiana sofreu porque queria vínculos de sangue e não conseguiu construí-los na faculdade de administração que foi cursar. mas, se tivesse uma prima, não sentiria a distância da superficialidade das relações.

a roda do tempo gira e os primos também cresceram e foram estudar. damiana voltou a se aproximar deles, mas, ora, são homens. com quem dividir o papo-calcinha? com quem falar sobre aqueles amores não concretizados e os outros bem vividos? ela queria uma prima, sempre quis.

até que damiana foi trabalhar em outro país. e ficou cinco anos fora. era uma executiva de sucesso. se cansou da vida no exterior e voltou ao brasil, devidamente encarregada de gerir uma grande empresa. voltou a tempo de participar do casamento de um dos primos com uma escritora iniciante. eles iam ser seus vizinhos após as núpcias. quando voltaram da lua-de-mel, a escritora lançou um livro de poesias e damiana foi ao lançamento para se encantar com os poemas. ela quis conhecer mais a prima que… ei! prima? será que poderia pensar que construiria uma amizade com aquela escritora que virara sua prima porque casara com seu primo? será que finalmente realizaria o sonho da prima própria?

damiana e a prima própria trocaram muitas mensagens pelos smartphones. tomaram muitos cafés em livrarias. foram a algumas exposições. e dividiram segredos. dividiram também nomes de cremes excelentes para os cabelos e o nome daquele esmalte que está dando alergia na unha e na carne.


por michele a. paiva

ele não era só o filho do meu tio, meu primo, ele era o homem da minha vida.

foi com ele que descobri o amor, o beijo, o sexo… fomos criados juntos, éramos meio como irmãos, morando um ao lado do outro. a autoridade de nossos pais se misturava, e obedecíamos e desobedecíamos os quatro do mesmo jeito.

não preciso dizer que nosso amor foi escondido. nas poucas vezes que nos descuidamos, nossos pais reagiram com raiva e temor. como éramos bons em nos escondermos, continuamos com nosso modus operandi.

mas eles não se enganaram por muito tempo e mandaram meu primo para um intercâmbio sem data de volta.

não havia internet, e ainda éramos muito novos para cometermos loucuras inconsequentes, por isso nos escrevíamos todos os dias. sim, todos os dias que chegava do colégio, tinha uma carta para mim, e acredito que para ele também. escrevíamos um diário juntos.

no entanto, depois do seu primeiro semestre fora, as cartas (dele) não tinham mais tanta constância. meus tios decidiram morar em londres, onde ele estudava, e as cartas pararam de vez.

eu não tinha mais vida, entrei em uma depressão profunda e culpava meus tios por ele ter parado o contato. odiava o casal, odiava também meus pais, que fingiam que nada acontecia. repeti o último ano do colégio duas vezes, parei de viver, mas meus pais continuavam atuando como uma família perfeita.

três anos depois, na festa de bodas de ouro de nossos avós, ele voltou. eu não esperava, eu já estava melhor, mas a tristeza ainda estampava meu rosto.

eu nunca senti nada parecido como quando o revi. achei verdadeiramente que meu coração fosse sair pela boca, que eu fosse morrer sem ar.

assim que ele passou pela entrada principal do salão de festas, incrivelmente lindo, percebi que estava de mãos dadas com um rapaz claramente estrangeiro.

fui correndo para casa rasgar todas as nossas cartas e fotos na mesma hora. ele nunca falou comigo e o odeio até hoje, 49 anos depois.

pequena explicação e os primeiros textos

stella e eu adoramos escrever. faríamos um curso de escrita criativa juntas, mas acabei não conseguindo me inscrever. ela fez e adorou, entretanto o curso tem um valor não muito amistoso e são vários módulos etc.

bem, resumindo, decidimos fazer NOSSA própria atividade semanal de escrita criativa. propomos um tema e escrevemos sobre. e damos pitacos no texto uma da outra. simples assim. quem quiser participar é só avisar, somos uma dupla com mente aberta.

a stella arbizu trabalhou no mercado financeiro por mais tempo do que deveria. concomitantemente, fazia mapa astral legal. hoje é astróloga e publicou seu primeiro livro de poesias em janeiro, o Ponta de estrela. (http://www.amazon.com/Ponta-estrela-Stella-Arbizu/dp/8541607992).

tema da semana: ida ao dentista.

dentista-antigo

por stella arbizu

seria louco se a gente acordasse todos os dias com a certeza de que tudo que rolasse nesse dia daria certo. mesmo que a agenda estivesse marcando uma ida ao dentista. para a extração de um dente.

o peso da extração de um dente é equivalente a você ser chamada de puta sem ser, como se só estivesse reagindo a seus instintos sexuais guardados por mais de dezoito meses e fosse pega no flagra. e a extração de dente te dá uma culpa de que você não tomou conta do dente direito, não escovou quando tinha que escovar. mas, no meu caso, foi barbeiragem da dentista anterior que disse que sabia tratar canal e esburacou tudo errado.

peguei o metrô para ir até o consultório do meu dentista, que é meu parceiro de saídas, ainda bem. mas, o dia prometia uma nuvem cinzenta chovendo em cima de mim, mesmo sentada no vagão correto para a saída certeira em direção à escada rolante da estação exata. só que ela estava lá. uma mulher em surto estava no mesmo vagão. ia de um lado para o outro, balançando a cabeça, sacudindo a blusa e o casaco que segurava. me concentrei para não olhá-la. e quando as portas se abriram na estação exata, saí primeiro.

mas, ela veio atrás. e me alcançou na escada rolante. passou por mim e me bateu. e eu, emburrada pela extração do dente, entrei na vibração dela e reclamei. ela só não me acertou com um chute porque eu desci dois degraus. e ela subiu correndo a escada rolante para me esperar lá em cima. eu consegui raciocinar que o que ela queria eu não ia dar. atrás de mim vinha a multidão e eu fui descendo os degraus, deixando a multidão passar, atrapalhando o fluxo totalmente, causando a maior confusão. até que aparecesse um segurança para me questionar que raios eu estava aprontando. pisei em pés, arranhei canelas, mas o segurança chegou quando eu ancorei na plataforma. e contei para ele, apontando, que aquela surtada ali queria me bater.

daí pra frente foi só proteção. contato através de rádio e ela foi conduzida aos quintos. e eu pude passar, linda e ruiva, pelo saguão da estação exata, com o peito aos pulos, esquecida de que uma parte de mim seria extraída dali a quinze minutos.

meu dentista-parceiro foi muito gentil, se é que se pode chamar assim alguém que segura um alicate com força no seu dente e o balança pra lá e pra cá. olhei o consultório dele por outro ângulo, de cabeça pra baixo, em um momento que não posso precisar qual. mas, consegui me livrar da culpa quando vi o raio x da trilha errada que a dentista anterior fez na raiz do meu dente. irreparável. mas, existem os implantes e é isso que eu tenho na minha arcada agora. titânio.


por michele a. paiva

eles moravam no apartamento ao lado. um era muito educado, o outro muito quieto.

formavam um casal bonito.

o simpático era cabeleireiro e logo fizemos amizade. obviamente ele começou a cuidar do meu cabelo, e seu companheiro sempre muito sério, descobri que era dentista.

eles tinham uma cachorrinha que eu adorava, a dolly, uma poodle pretinha muito feliz.

um dia, numa emergência, acabei indo ao consultório do vizinho caladão. ele cuidou da minha dor de dente sem muita conversa e sem sorriso algum. agradeci, paguei e fui embora.

naquele mesmo dia, eles começaram uma briga horrorosa, o prédio inteiro ouviu. colei meu ouvido na porta e fiquei tentando entender os gritos, que ficaram mais altos e mais altos até que olhei pelo olho mágico e meu querido cabeleireiro estava correndo em direção ao meu apartamento.

esmurrou a porta, eu abri, acreditando que seria rápida para apenas abrigar meu amigo, mas o calado dentista entrou forçando a porta e me machucando um pouco o punho.

foi tudo rápido e sem gritaria: meu amigo se jogou no sofá e apanhou muito do companheiro. ele continuava calado, sério e compenetrado. a dolly veio correndo, mas ficou parada na entrada do meu apartamento, com a cabecinha inclinada, visualizando a cena.

tudo aquilo durou uns dez minutos. a única vez que tentei intervir, levei um empurrão, caí sentada na poltrona. uma vizinha idosa abriu a porta, colocou a cabeça para fora e quando viu o que estava acontecendo, entrou e trancou a porta.

quando a surra acabou o dentista foi embora. tentei abraçar o amigo, mas ele não deixou e saiu correndo para o seu apartamento.

chorei um pouco sem saber nem direito por que. dormi com sobressaltos e, na manhã seguinte, tinha um papel branco debaixo da minha porta escrito “desculpa”. nunca mais vi nenhum dos dois.

delivery

bobs

 

eu gosto de sentir frio. gosto de ver os pelos do meu corpo arrepiados. talvez porque eu odeie o calor.

naquele dia saí de casa sem casaco apesar do frio. estava atrasada e, quando ando apressada pela rua, costumo suar em qualquer temperatura. pelo menos deste lado da linha do equador.

não deu tempo de pegar o sinal fechado para pedestres, então parei esbaforida ao lado de um entregador do bob’s. senti o cara me olhar e se encolher. me virei para olhá-lo e me deparei com um cara que eu pegava ferozmente pelas naites da vida. na época ele estava em um curso de salva-vidas e era o cara mais gostoso do universo.

não nos falamos. ele ficou com vergonha. eu fiquei com vergonha.

o sinal fechou, eu corri para pegar meu ônibus. ele correu para fazer a entrega dele no salão de beleza em frente ao ponto de ônibus.

as piscinas da cidade perderam um grande chamariz.

 

 

 

 

 

 

ser tia antes de ser mãe

vini

por tia zezé

 

 

estou aqui para defender uma tese que me veio à cabeça há exatos 365 dias. é bastante confortável defendê-la uma vez que ninguém, jamais, poderá comprová-la: ser tia antes de ser mãe é muito melhor. não me venham as tias que já eram mães quando seus sobrinhos nasceram dizer “nããããão, foi maravilhoso ver a alegria do meu irmão”. sim, claro que foi. mas a emoção de ser tia antes de ser mãe é conhecer de perto o maior amor do mundo e imaginar o quão grande deve ser o amor materno.

quando recebi a notícia de que ele estava a caminho, a alegria foi transbordante. no dia seguinte, já me vi andando pelas lojas e comprando roupas pequeninas de cores neutras, afinal, nem sabíamos ainda se era menino ou menina.

oito dias depois, ele ganhou forma e mostrou que estava realmente lá: as batidas do coração aceleradíssimas. foi impossível conter as lágrimas.

os meses foram passando e só notícias boas chegavam. a cada ultrassonografia ele estava maior. ah, sim! ele mesmo. era um menino!!! mais compras. e com a certeza da escolha das estampas. logo depois, já não era mais o “bebê”, ganhou nome, vinícius. e passou a ser o nome mais bonito de todos os nomes de menino que eu já ouvira.

tudo isso a distância. vinícius crescia a mais de 1.000km de mim. só quando faltava pouco para ele vir ao mundo, pude chegar perto e senti-lo. mexia muito, lembrando sempre que estava entre nós.

eis que o mês de agosto tornou-se um dos mais belos do ano! vinícius chegou. e a cada foto recebida pela internet lágrimas de muita alegria. era amor.

finalmente veio o dia de nos conhecermos. me lembro de cada sensação, de cada gesto. ele dormia, quieto. eu tinha dificuldades de acreditar naquela magnitude. era mágico. depois de nove meses acompanhando cada centímetro, ali estava ele diante dos meus olhos e, minutos depois, nos meus braços. sorrindo. sim, vinícius sorri desde os primeiros dias de vida. não me venha dizer que eram espasmos ou sei lá o quê! vinícius sorri. e por que não ser clichê dizendo que ele nos faz sorrir diariamente quando faz careta para uma papinha, fica cantarolando ao ouvir uma música, faz travessuras e dá os primeiros passos?

a mais nova é levantar o dedo para anunciar ao mundo que tem um ano. um ano de amor puro que sinto ao ver cada foto, ouvir cada som que ele produz e, nos dias de mais sorte, abraçá-lo.

portanto, se dizem que o amor de mãe é o maior de todos, eu posso afirmar categoricamente que o amor de tia só pode ser o mais próximo dele, porque eu não me lembro de tanta emoção nesta vida. e como nenhuma mãe que só se tornou tia depois de amar seu próprio filho sentiu o que senti, reafirmo a minha tese: ser tia antes de ser mãe é muito melhor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

come on, i’m talking to you, come on

raqolive

por raquel oliveira

 

bora falar logo porque odeio ficar guardando mágoa: ontem, na hora de ir embora, quando pedi pra você arrumar o narguilé, você gritou comigo, foi bem grosseiro e não entendi o porquê de você ter feito isso (já que não pedi nada absurdo, coisa que a gente sempre faz na casa dos amigos).

olha, entendo que você estava cansado, trabalhou todos esses dias, o problema não foi nem por você não querer fazer o que eu pedi (até porque, no fim das contas, você fez, ué). foi você gritar comigo. minha mãe (que dormia no quarto ao lado) acordou, e depois que você foi embora até ela veio me perguntar o que aconteceu. desconversei, mas fiquei chateada mesmo. posso até ser “sentimental”, mas não tolero que gritem comigo, e menos ainda alguém que eu gosto tanto. porra, não te trato com o maior carinho, com a maior doçura (mesmo quando o doce vem em formato de rapadura)? por acaso não te dou mais atenção, mais afeto do que a qualquer outra pessoa no grupo?

acho que eu não preciso falar que você é especial pra mim, de um jeito que eu acho bom não ter de falar porque eu (que falo pra cacete) não saberia explicar. compro o guaraná antártica mesmo preferindo coca-cola, peço desculpas quando piso na bola, procuro sempre te dar atenção, mesmo quando meio ogra – e ué, não somos ambos meio ogros? não, não faço nada disso esperando algum retorno, o único retorno que eu espero é que apareçam as covinhas de quando você ri. mas quando você grita comigo (ou me trata como sua little bitch), me magoa, me machuca, acaba comigo. isso me lembra um tempo em que passei muito por isso, e não gostaria de reviver esse tempo. Então, por favor, não grite mais comigo. te adoro de verdade, mas assim não rola.

pronto, falei. se você vai entender ou não já não sei, mas é uma dor de estômago a menos. eu sei que sou sensível e não acho ruim quando você brinca ou é meio ogro (pelo menos na maioria das vezes não), e detesto brigar com você, mas dessa vez fiquei chateada mesmo. então prefiro tentar ser clara (mesmo escrevendo uma carta) do que ficar remoendo isso. se/quando quiser conversar, sabe onde me achar.

comemorações

amizade

por chris leal

 

 

um texto de “feliz aniversário” tem, como princípio, a comemoração da vida daquele alguém que, efetivamente, comemora a vida naquele dia. evidentemente, este texto não tratará da questão minimizando essa comemoração. por outro lado, peço permissão (aos leitores; à aniversariante; a deus, se for o caso) para promover outra comemoração por ora. gostaria de, hoje, destacar a comemoração da minha vida. explico.

quando vasculho o passado, dificilmente consigo encontrar algum evento do qual ela não tenha feito parte, como protagonista ou coadjuvante. há muito, mais precisamente desde meados de 2005, dificilmente algo ocorreu por aqui sem que ali se soubesse, sem que ali se sentisse os reflexos, sem que ali houvesse alguém para (com) quem eu precisasse contar.

ali já foi cap, já foi indayaçu, já foi norte shopping, já foi praia, já foi parmê, já foi a 10 minutos da minha casa. há alguns anos, “ali” atende deliciosamente como a sala bem em frente à minha.

é ali que posso chegar contando uma história e receber sorriso largo, que posso chegar chorando e receber um doce abraço, que posso chegar tímida e receber olhar compreensivo de quem diz: ok, pode chegar, pode ficar – desde que eu não tenha muitas redações para corrigir.

ali é o lugar em que eu posso ser eu, mesmo quando isso não é muito bom. é o lugar em que eu posso falar de pessoas, de sonhos, de ciúmes, de amores, de trabalho, de amor pelo trabalho.

ela sabe que eu preciso de um biquíni, de café depois do almoço, de uma blusa com rostos de mulheres, de um filho, de torrada petrópolis, de mais paixão, de uma caneca de chopp, de final da copa, de coxinha.

é difícil contar do que ela não sabe. impossível dizer do que ela não faz parte.

o fato é que, quando penso em minha vida, penso na felicidade que é comemorar a sua vida. feliz aniversário!